O roteiro bibliográfico potiguar atinente ao capítulo da HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO NEGRA, e em especial em terras apodienses, revela uma realidade lacunosa, com veementes índícios de desdém emoldurado em laivos de arraigado e insano racismo. Todavia, há um manancial em documentos oficiais existentes nos arquivos cartoriais e livros de Assentos de Batizados da Igreja-Matriz, que subsidiarão os poucos e abnegados pesquisadores que venham a enveredar por esse dolente e merencórico capítulo da história do sofrido escravo africano em nosso estado. Não podemos deixar entregue ao esquecimento a história desta gente sofrida que veio habitar entre nós, mesmo que de forma coercitiva, forçosa, mas que com o passar do tempo adaptaram-se e fincaram suas raízes neste chão, caldeando o indômito e vigoroso sangue africano com o de índios e do elemento branco colonizador. Urge o tempo, e os documentos oficiais que retratam de forma fidedigna a história desta brava gente está se deteriorando dia-á-dia, dominados pelas intempéries e pelo assédio de cupins, insetos e ratos. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que ainda restam uns poucos abnegados na seara deste incompreendido trabalho empreendido para rasgar a cortina da indiferença dos que deveriam lutar pela preservação da história.
No que diz respeito aos estudiosos da escravidão negra na região Oeste potiguar, merece relevo as celebradas publicações intituladas "OS ESCRAVOS NA HISTÓRIA DE MOSSORÓ", de autoria de Nancy Neyza Wanderley de Oliveira e Sebastião Vasconcelos dos Santos, editada pela Coleção Mossoroense - Volume CLXXI - ano 1981, e a não menos renomada obra "ESCRAVOS DA RIBEIRA DO APODI SOB A ÓTICA DOS INVENTÁRIOS", de autoria da Professora Dra. Maria Goretti Medeiros, editada pela Coleção Mossoroense - Vol. 844 - 1995. Nestas publicações, encontramos fartas referências aos escravos de Apodi, desde a parte de inventários, até o contexto da venda destes para a praça de Mossoró, durante o famigerado período do TRÁFICO NEGREIRO INTERPROVINCIAL. Quando o Prof. JOAQUIM MANOEL CARNEIRO DA CUNHA BELTRÃO aportou em Apodi no ano de 1843,oriundo de Tracunhaém-PE, para lecionar na escola de primeiras letras na então Vila, já trazia consigo escravos para fazer-lhes companhia e prestarem seus serviços. Ao casar em Apodi com a Srita. MARIA ANGÉLICA BEZERRA CAVALCANTI ,no ano de 1845, a mesma trouxe consigo a escrava Inocência Constância, nascida em 1828, e que pertencera ao seu genitor Domingos Alves Ferreira Cavalcanti. De Inocência nasceu a escravinha SABINA no ano de 1852. Como era costumeiro a adoção do sobrenome familiar dos seus senhores, a escravinha passou a ser conhecida como SABINA CONSTÂNCIA BELTRÃO. Desta magnânima SABINA nasceu LÚCIO, patriarca da laboriosa e honrada família apodiense conhecida como "FAMÍLIA DOS LÚCIO". Vejamos a íntegra do assento do registro de batizado de Lúcio, cujo nome civil em adulto passou a ser LÚCIO AGOSTINHO DA SILVA: Batizado nº 1.349, fls. 102: - LÚCIO, filho natural de Sabina, escrava de Joaquim Manoel Carneiro da Cunha Beltrão, nasceu aos quinze de Abril de mil oitocentos e setenta e hum, foi batizado por mim solenemente na dita Matriz aos vinte e três do dito mês e ano, foram padrinhos Pedro Alexandrino Gomes Tavares e Cândida Generosa de Góis Nogueira, solteiros; do que para constar fiz este termo que assino, O Vigário Antonio Dias da Cunha. (FONTE: Livro de Registro de Batizados da Igreja-Matriz da Paróquia de Apodi,fls. 102 - 1868-1875). casarão senhorial pertencente a JOAQUIM MANOEL CARNEIRO DA CUNHA BELTRÃO |
Há uma curiosidade de identidade de cunho afrodescendente pelos casamentos de dois de seus filhos com descendentes de escravos: RAIMUNDA LÚCIO casou com Manoel Gogó, que era filho de Raimunda Maria da Conceição (Casada com Jovino Gogó -Jovino Braz de Lima), que por sua vez era filha do ex-escravo Belarmino Gomes da Costa, tronco dos "Belarmino". PEDRO LÚCIO casou com JOANA FELÍCIO, filha do ex-escravo JACÓ FELÍCIO DE OLIVEIRA, escravo que foi de Francisco da Costa Morais. No próximo artigo faremos abordagens históricas sobre as famílias afrodescendentes VALENTIM, BASÍLIO,BELARMINO,GAVIÃO,CEARÁ,AVELINO e SIMÃO.
Por Marcos Pinto - HISTORIADOR APODIENSE.
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